segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Mesmo Sangue. Mesmo Direito. Por que fazer essa campanha?


Todo tipo de preconceito causa indignação, seja ele vindo de uma pessoa, de um grupo delas, de uma empresa, de instituições públicas, de leis. O que nunca podemos fazer, nós que vislumbramos um mundo de igualdade, é perdermos a capacidade de, justamente, nos indignarmos, nos aterrorizarmos frente a ideologias e atos que segregam, humilham e violentam seres humanos.
É com a máxima indignação que milhões de gays, homens bissexuais e travestis e de pessoas vêem a postura da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir a doação de sangue por homens que tenham feito pelo menos uma vez sexo com outro homem nos 12 meses anteriores à época da coleta. Mulheres que tenham feito sexo com esses homens recebem o mesmo veto.
Essa regra é de 2004. Antes disso, a vedação era total. Mais que 12 meses, o que tinha sido feito na vida poderia ser visto como critério para que gays, homens bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens fossem tratados como que “quase com certeza infectados” pelo vírus HIV.
Modificaram a forma, mas a visão que molda as regras não. A base de ambas é a idéia preconceituosa de que aquele grupo de homens, por serem o que são e por fazerem o que fazem, independentemente de como se protegem das doenças sexualmente transmissíveis, eles não podem doar sangue!
Essa prática não condiz com o conhecimento científico das últimas décadas. Há muito, sabe-se que grupos de risco, termo vindo dos anos 1980, não existem. O que há é um vírus, o HIV, que pode infectar mulheres, jovens, homens, idosos, adultos, profissionais do sexo, desempregados, executivos, solteiros, casados, negros, brancos, homossexuais, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, heterossexuais. Todos e todas podem se infectar. Todas e todos devem se proteger. Todas e todos poderiam doar…

Sendo assim, por que essa restrição contra gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens? Por que rejeitar nosso sangue sem ao menos saber se nós nos protegemos contra o HIV? Quem é gay, bissexual ou fez sexo com outro homem “nos 12 meses anteriores à doação” sabe como somos tratados nos hemocentros de todo o Brasil. Uma vez explicitado quem somos, tudo o mais é ignorado. Recebemos a tarja de ”não habilitados”.
Um heterossexual que tenha feito sexo sem proteção tem a doação rejeitada. Um heterossexual que não tenha feito sexo sem proteção, tem a doação aceita. A pergunta é: por que simplesmente a mesma regra, não outra, não uma menos rigorosa, a mesma, não é feita a nós gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com outros homens?
A palavra preconceito ensina. É algo pré-concebido, suposto, esperado… Com base em quê? Em desconhecimento, em falta de interesse de saber, em idéias reacionárias que recebem defesa de quem não se preocupa em romper com possíveis injustiças, as quais atentam contra o princípio de respeito e igualdade.
Existir regras distintas entre heterossexuais e entre gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens na doação de sangue é sim discriminar, separar e dar valor distinto a cada parte. Uns são mais, outros são menos e podem ser tratados sem nenhuma consideração.
A consulta pública feita pelo Ministério da Saúde sobre Portaria do Regulamento Técnico de Procedimentos Hemoterápicos, aberta de 2 de junho a 2 de agosto de 2010, é uma oportunidade de todas cidadãs e todos cidadãos mostrarem sua indignação contra essa regra, indubitavelmente discriminatória.

Consulta pública é um processo no qual um ente governamental chama a sociedade para opinar a respeito de uma proposta. Em declarações à imprensa, autoridades do Ministério da Saúde e da Anvisa disseram que a proibição sobre a qual versamos aqui não será retirada. Pois nós dizemos: não vamos nos calar. Sempre que alguém ou nós formos vítimas de discriminação, a idéia criada do impossível não irá nos tirar a capacidade de nos indignarmos, de lutarmos… até conseguirmos.